Um café para mulheres fortes.

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                                                              Por Thainã de Medeiros* em 22 | 12 | 2016


Pouco depois do lançamento do Defezap em Maio de 2016, alguns casos que chegavam até nós ganhavam destaque nos noticiários. Foi o caso de Jhonata Dalber, rapaz de 16 anos assassinado no Morro do Borel, que inspirou a buscar mães que sentiram esta mesma dor para fortalecer uma rede de apoio a mães vítimas, tudo na forma de um simples café da manhã onde elas conversam sobre seus meninos e fortalecem seus laços de solidariedade.

Este é o Café das Fortes.

Quando recebemos pelo número  (21) 99670-1400 o vídeo em que Jhonata era carregado com a cabeça sangrando para dentro de uma viatura por policiais, além de analisar o material para busca de eventuais elementos que pudessem comprovar localidade e horário. Também buscamos nos articular junto a Comissão de Direitos Humanos para entender como fortalecer a rede que já se movimentava em torno do caso. Chegamos assim até a casa de Janaína (33), mãe do rapaz morto naquela noite de junho. Em meio a toda emoção que o caso evoca, uma conversa posterior com uma pessoa ligada a família fez com que fizéssemos o link entre as mães que já passaram pelo trauma e se tornaram militantes desta causa

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                                 Janaína exibe o boné perfurado com um tiro de fuzil que assassinou seu filho Jhonata Dalber (imagem: Jornal Extra)

Não foi difícil convencer Mônica Cunha (Projeto Moleque) e Ana Paula Oliveira (Mães de Manguinhos), a irmos na casa de Janaína tomar um café da manhã e conversar. Dentre os diálogos sempre carregados de emoção, um se destacou. Acontece que Ana Paula e Janaína tiveram seus filhos assassinados ambos com o mesmo nome.

“Seu filho também era Jhonata.” comentou Janaína ao reparar a camisa de Ana Paula que sempre preserva  a imagem e o nome do rapaz morto em maio de 2013. “Eu tenho uma camisa também. Não sei quem fez.” Com falas curtas, e olhos bastante vermelhos Janaína recordou ainda de um enorme balão que fizeram com o nome de seu filho, um grafite e inúmeras camisas usadas por pessoas próximas ao rapaz. Mônica relatou o mesmo episódio na época da morte de seu filho a mais de dez anos atrás. E as três iniciaram um papo sobre as homenagens que seus meninos receberam, muitas destas, de pessoas que eram amigos de seus filhos e elas não conheciam. É quando Mônica conclui: se tanta gente que não conhecemos fez homenagens aos nossos filhos, como podem dizer que eles não fazem falta para a sociedade?

A iniciativa agora tinha vida própria. Mônica Cunha e Ana Paula entenderam mais do que nós o que significava o Café das Fortes e nada mais justo que elas tomassem a frente de todo o processo que se repetiria desta vez no Chapadão, região onde atua o 41BPM, que segundo levantamento feito pela Anistia Internacional, é o batalhão que mais mata no Estado do Rio de Janeiro.


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                                      Foto do segundo Café das Fortes. Camisas em que as mães preservam a memória de seus filhos assassinados.


Conversamos com as famílias ainda muito fragilizadas com situações que variavam uma distância de décadas, anos e meses. “A dor não é superável” dizia Mônica Cunha sempre condutora do processo e orientando as mães que nunca tinham recebido nenhum suporte. Este foi mais longo, as mães vítimas eram muitas, mas o papo intenso. Não apenas a dor foi compartilhada, mas muitos sorrisos que lembravam as brincadeiras que seus meninos gostavam, suas aventuras amorosas e sonhos de trabalho e sucesso. Até uma das mães que não queria participar devido a grande dor que ainda sentia foi sendo contaminada com os sorrisos e as histórias e no final levantou a mão para dizer “tenho uma história sobre meu filho” e contou um momento divertido em que o rapaz precisava de uma roupa nova para encontrar a namorada. Ver aquela mães que começou de braços cruzados se abrir para pessoas iguais a ela deu uma nova esperança para todas.

Para Mônica Cunha, atual gestora do projeto junto com Ana Paula Oliveira, o ano de 2017 será de muita luta no campo dos direitos humanos e o Café das Fortes, é um projeto que promete:

O Café das fortes neste momento atual, é meio que uma luz, uma expectativa, um caminho, um recomeço. Por que assim, a gente ja sabe que esse ano de 2017 vai ficar muito difícil pra nós que somos militantes dos direitos humanos e estamos sempre na linha de frente Então estar junto com essas pessoas e fazer parte deste movimento de conscientização, de aprendizado de empoderamento junto com essas pessoas como eu que sofremos na pele a perca de nossos filhos e o encarceramento. É um renascimento é um recomeço. Estar e reinventando pro que nos espera aí pra 2017. (Mônica Cunha, gestora do Projeto Moleque e Café das Fortes)

Ana Paula lembra que a importância do Café das Fortes passa pela forma delas se sentirem úteis diante da dor, mas que tem um papel de fortalecer laços despedaçados pela violência:
“É uma forma de poder estar junto. Dar um abraço. Conseguir dar uma brecha pra compartilhar histórias de vida, de luta e poder de alguma forma levar forças pra essas pessoas que estão passando pela mesma dor que eu. É poder mesmo despedaçada se sentir útil para outras pessoas. [...]porque o familiar as vezes acha que foi Deus quem quis assim e o nosso papel é falar o porque nossos filhos foram assassinados. Fortalecer nossa corrente de luta.” (Ana Paula Oliveira, fundadora do grupo Mães de Manguinhos, e gestora do Café das fortes)

Para saber mais:
http://extra.globo.com/casos-de-policia/avo-leva-sacos-de-pipoca-para-enterro-mostra-motivo-de-neto-ter-sido-baleado-no-borel-19633104.html

https://anistia.org.br/noticias/registros-de-homicidios-decorrentes-de-intervencao-policial-encobrem-fortes-indicios-de-execucoes-extrajudiciais/